Cinema - "Medianeras" de Gustavo Taretto


Primeiro longa-metragem do diretor porteño Gustavo Taretto, "Medianeras" é uma moderna e engenhosa comédia de desencontros, encontros e tarja-preta. O filme começa com uma narração em off do protagonista sobre as relações entre paisagem arquitetônica de Buenos Aires e a paisagem "interna" de seus habitantes - humor tipicamente argentino. Oscar Wilde dizia que o "pessimista é um otimista bem informado" e nossos vizinhos hermanos sempre foram muito céticos em relação à condição humana. Se no final do século XX - antes do advento da internet - filósofos franceses já nos alertavam sobre o excesso de individualismo do homem contemporâneo, imagine no ano de 2010; sexo, comida, trabalho e diversão - você pode garantir tudo isso sem sair de seu apartamento. E solidão, muita solidão.
Martín é um web-designer que foi abandonado pela namorada; não tem amigos, passa doze horas diárias em frente ao computador; a única recordação da amada é um cachorrinho que ela deixou pro rapaz cuidar. São os únicos momentos que Martin desce de seu apartamento pra ver a luz do dia. Pilar é vizinha dele. Sofre de fobia de altura e terminou uma longa relação depois de inutilmente lutar contra o "superego" do namorado. Seu trabalho consiste em projetar vitrines de moda feminina; passa mais tempo entre manequins do que entre seres humanos. A incomunicabilidade enfrentada por Martin e Pilar em relação aos seus semelhantes é um traço comum de suas personalidades - e exatamente essa característica os unirá. Roteiro muito bem costurado, atuações despretensiosas e uma fotografia que ilustra com primor tensão/estética urbana. Imperdível.

A volta dos vinis (11) - Arrigo Barnabé - "Suspeito"



Arrigo Barnabé surgiu no final da década de 70 ao lado de nomes como Itamar Assumpção, Ná Ozzetti, Rumo, Tetê Espíndola - entre outros - num movimento musical denominado de "Vanguarda paulista". O grupo atuava fora da Indústria fonográfica oficial - mais por questões de mercado do que propriamente por opção - e o público interessado em boa música agradece: a coragem e a determinação desses artistas em bancar produções independentes , longe de realizar as tais "concessões artísticas" em nome de grandes vendagens, deixou um legado único na música popular brasileira. Compositor erudito de formação, Arrigo gravou quatro discos na década de 80 e espero comentar cada um deles aqui no blog da Rádio Graviola - sem me prender à ordem cronológica.
"Suspeito" foi lançado em 1987, com participação de Tetê Espíndola e produção de Dino Vicente; apesar de abusar dos recursos de sintetizadores -tão em voga na época - o disco sobrevive como um marco pop da década de 80; da bossa de "A serpente" até à balada de "Êxtase", a música tem um pé no sinfônico, outro pé no popular - quase brega; "Você tem medo de fazer amor comigo/você tem medo de acordar com um bandido", diz a letra da faixa título. O primeiro rap brasileiro talvez esteja nesse disco; "Dedo de Deus" é falado do início ao fim, em meio de sons rodeados de samplers, teclados e bateria eletrônica. "Já deu pra sentir" compostada por Itamar Assumpção e regravada por Cássia Eller no seu disco de estréia, tem um belíssimo arranjo de cordas e violão, com a letra meticulosamente susurrada por Arrigo - bem diferente da versão de Cássia. Um artista de olho na modernidade e com os pés na modernidade. A obra de Arrigo Barnabé é uma das mais originais e inventivas da música popular brasileira