"A volta dos vinis"(12) - Charlotte Gainsbourg - "lRM"



Ser filha de Serge Gainsbourg e Jane Birkin não é exatamente uma condição confortável para quem opta pela carreira artística. Charlotte Gainsbourg tem o mérito de obter luz própria sob o peso das duas "lendas" que a conceberam ao mundo. A moça - nem tão moça assim nos seus 37 anos - possui um currículo de 32 filmes, um prêmio no Festival de Cannes além de dois Cesars faturados no início de sua carreira como atriz. E Charlotte também canta. Depois de debutar na música aos treze anos, com um disco inteiro composto pelo pai, a francesa gravou outras duas obras; "5:55" em 2006, tendo o grupo Air como banda de apoio e "IRM"- lançado
em 2009. É sobre esse último que vou comentar.
No formato vinil "IRM" virou álbum duplo - um charme. O lado A é composto por três faixas que anunciam a atmosfera sombria que está por vir; flerte com o trip-hop, susurros, ecos vocais cadenciados com ritmos eletrônicos de baixa tensão. Na canção que dá título ao disco ela nos pergunta; "Tire uma foto/ o que tem dentro?/uma imagem fantasma/na minha mente".Violinos e celos consturam o arranjo de "Le chat du café des artistes" - outro petardo desesperançado em que a doce voz de Charlotte proclama:"Então me jogue para o gato/talvez ele recuse meu braço e meu fígado/mas escolha o momento certo/para que então coma meu coração". No lado B, as melodias sugerem uma súbita mudança de ânimo apesar do caráter niilista das letras. A clássica "Heaven can wait" tem a participação de Beck nos vocais - também produtor do disco e autor da maioria das faixas. Os lados C e D dividem sete canções com sonoridades que se entrecruzam e se complementam, dando o caráter contemporâneo e intimista do disco. "IRM" é para ouvidos exigentes, sensibilidades aguçadas e mentes com o mínimo de desconfiança sobre o que as pessoas chama lá fora de "realidade".

Literatura - "O fim de semana" - Bernhard Schlink


Bernhard Schlink é um mestre dos enredos aparentemente simples que desembocam em tramas inventivas , com personagens realistas , originais. Como escritor sempre tenho uma sensação de "inveja criativa" ao terminar seus romances; "Como eu não pensei nessa história antes?". Foi assim com "O outro" - levado às telas de cinema com Antonio Banderas - ,"A menina e a lagartixa" e "O leitor" - esse também mereceu uma adaptação cinematográfica com Kate Winslet. Histórias que podem "escorregar" pela previsibilidade ou ancorar-se em certos arquétipos de personagens literários, ganham novo fôlego com o autor alemão.Quanto à forma, Schlink é direto sem optar por caminhos que comprometam a linearidade da narrativa. Ser claro, em muitos casos, é o mais complicado. Em "O fim de semana" o protagonista é um ex- membro da Fração do Exército Vermelho acusado de cometer quatro homicídios na alemanha dos anos 1970. Jorg é libertado ao receber o indulto após permanecer por 24 anos na prisão; solto - em seu primeiro fim de semana - é recebido na saída da penitenciária pela irmã. Ela reuniu os velhos companheiros de juventude de Jorg numa casa de campo para o esperado reencontro - sem consultá-lo se esse realmente era o seu desejo. Duas décadas se passaram e os ressentimentos, amores, frustrações, todo e qualquer resquício emocional é jorrado entre o protagonista e seus "convidados" nesse memorável fim de semana.
Trecho escolhido: "Da última vez que vira Ilse, em algum momento dos anos 1970, era uma jovem bonita, o nariz e o queixo algo pontudos, a boca um pouco rígida, a postura sempre um pouco encurvada para que seus seios grandes não chamassem muito a atenção, mas irradiava um brilho especial com sua pele clara, seus olhos azuis,seus cabelos loiros. Agora Henner já não encontrou mais aquele brilho, nem mesmo no sorriso gentil com que ela respondeu ao reencontro e ao reconhecimento. Sentiu-se constrangido com o fato de ela não ser mais aquilo que era e prometera continuar sendo."